25/12/2013

#ReceitaFavoritaDeNatal - por Adriana Kairos

Foto: Adriana Kairos

O #ReceitaFavoritaDeNatal de hoje é especial e emocionante. 
Convidei a Adriana Kairos para participar do nosso especial e ela mandou um belo texto, que fala de família, sonhos, e tudo que deveríamos viver e sentir na época do natal. Por que, hoje em dia, o povo só pensa na roupa que vai usar...

Se emocione e pense um pouco nos seus conceitos para o próximo ano...

Pasteis de sonhos
(Adriana Kairos)

Todos os anos é a mesma coisa. Não que seja um fardo. Não! Muito pelo contrário. Virou tradição na minha família. É sempre assim. Em meio a toda fartura Natalina, ali estão eles: os pasteis de vento, ou melhor, os pasteis de sonhos.


Para ser bem franca, eu não sei bem como funcionam essas datas comemorativas em outros lugares. Só posso falar do que conheço, e do que sei bem são dos costumes do meu lugar.

Aqui na favela, desde que me entendo por gente, a coisa é mais ou menos assim: Natal e Ano Novo é tempo de roupa nova, de presentes sem Noel – “Papai Noel é o seu pai mesmo, meu filho(a)...” É mais um motivo para uma churrascada na laje. Hoje em dia, nego fecha é a rua mesmo... Mas isso é assunto para um outro texto. É tempo de abrir as portas de casa, receber os parentes, os amigos, os vizinhos bicudos que te destratam o ano todo mas nesses dias estão sempre ali pra “filar” o Chester e a Cidra. É quando muita gente fica na rua até tarde mesmo no meio da semana, quando por ventura as festas acontecem como este ano em plena terça-feira.

Tempo da criançada toda arrumada desfilando pelas ruas e becos com suas roupinhas novinhas em folha. Às vezes, até com duas semanas de antecedência você é capaz de ouvir delas frases assim: “Minha mãe já comprou a minha roupa de Natal agora só falta a do Ano Novo.” Ou mesmo: “Meu pai já comprou a minha roupa de Natal e de Ano Novo!” Claro, tem que ser uma muda para cada ocasião!

São dias de espetáculos tiro... ops... pirotécnicos. O céu se ilumina de sonhos. Quase uma Copacabana... Um ou outro traçante é que nos projeta à realidade... Contudo, de um modo geral, é bonito de se ver.

Tanta beleza assim às vezes fica difícil de perceber, principalmente, quando o desemprego resolve te visitar justamente nessa época.

Final da década de 80, país em recessão, salários congelados, desemprego, inflação de 255%. Se a Classe Média tinha motivos para reclamar do Plano Cruzado, para os trabalhadores, como o meu pai, a coisa foi bem pior.

Depois de doze anos trabalhando duro para criar três filhos, finalmente, aquele mulato (era assim que ele se identificava), nordestino e analfabeto comprou uma casinha para a sua família. Juntou daqui, esticou dali, pediu emprestado acolá... E lá estava ele: o homem, seu castelo (de dívidas) e o desemprego.

Lembro-me de vê-lo cabisbaixo. Aquele ano não teria presentes, nem roupas e nem sandálias “pras neguinhas”. Não ia dar para comprar as chuteiras do pequeno. Era tristeza grande demais para um pai tão zeloso.

Todos comemoravam nas ruas, e a porta da nossa casa, que vivia aberta em datas assim, excepcionalmente aquele ano, estava fechada e muda.

Meus irmãos e eu pusemos as melhores roupinhas velhas que tínhamos, nos perfumamos (é como aprendemos, com nossos pais, a dizer que a nossa alma está feliz) ligamos o som e escancaramos as duas bandas da velha janela azul de madeira (casinha de cupim) que era pra que mais alegria entrasse por ali sorrateira.

Seu Zezito, meu pai, cabisbaixo no sofá.

De repente, um primo muito querido, o único que naquele ano passou por lá para nos desejar Boas Festas e compartilhar o pouco que tínhamos, bateu a porta. Ele chegou todo bonito, de roupa nova... No entanto, a presença daquele menino incomodou mais ainda a meu pai. Não pelo garoto, mas pela roupa nova e pelo presente que ele trouxe pra nos mostrar que havia ganhado.

Pude ver meu pai diminuto ante a impossibilidade de proporcionar aos filhos a mesma alegria daquele menino. Nós, francamente, nem nos importávamos. Mas para aquele trabalhador aquilo era uma questão de honra.

Lá pelas tantas, tanta festa pelo presente alheio deu lugar a fome.

Meu pai continuava triste, embora, na tentativa de anima-lo, tocássemos todos os seus LPs favoritos. Justo aquele homem tão positivo, de sorriso fácil, de bigode grosso (sério mesmo) e olhos gentis... Justo o senhor Alegria...

Não foram preciso palavras. Minha mãe, que a tudo assistia quieta e passiva demais para o seu temperamento, meus irmãos, meu primo e eu estávamos decididos que aquele Natal seria diferente e que não poderíamos deixar o Seu Zezito daquele jeito.

“Vamos preparar a nossa Ceia!” – disse minha mãe com a alegria de quem prepara um banquete.

Abrimos a geladeira e além das infinitas garrafas de água, um pedaço de cebola e uma garrafa de Baré Tuti-fruti, es que lá estava... Bem no fundinho em meio ao vazio polar daquele refrigerador azul, um pacotinho de massa de pastel.

“E vamos rechear com o quê, Tonha?” – perguntou meu pai com um sorriso curioso escapulindo pelo cantinho da boca.

“De sonhos!” – gritei por impulso. Talvez externando alguma vontade íntima.

“Isso!” – confirmou Dona Antônia, minha mãe, e nos pusemos, um a um, com garfos nas mãos, a rechear pasteis com sonhos e desejos de Natais diferentes, mais fartos, mas com a mesma alegria e união daquela Noite Feliz.

Comemos todos os anos para não esquecermos o valor da Família.

2 comentários:

  1. Ficou lindo, Dri! Obrigada pelo convite e pelo carinho. Um Feliz Natal a todos repleto de sonhos e esperanças de dias ainda melhores em 2014!

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    1. Dri, obrigada você por topar participar e escrever esse belíssimo texto. Bom natal :)

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Obrigada pela visita. Espero que tenha gostado e que nos conte o que achou. Volte Sempre!